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Férias quase frustradas

4 de abril de 2010

“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada….”. Bem, teto na verdade tinha. De tijolos aparentes, como, aliás, a casa como um todo. E dos….orifícios existentes neste…rústico teto podiam sair os mais diferentes tipos de bichinhos.

Estou falando da casa que eu, Xará, Xará Mãe, Amandrulhão e alguns surfistas alugamos para passar o fim de ano, em Pouso de Cajaíba, Paraty. Em nossa primeira – e última – noite, saiu do teto-surpresa uma barata. Que à primeira vista pensamos tratar-se de um pterodátilo, dado seu tamanho (ou melhor, envergadura…).

Quando vimos aquilo, dissiparam-se por completo nossas dúvidas de que aquele lugar não era pra gente. Temperatura ambiente de 35º (dentro da casa), um filete de água para tomar banho, dejetos de animal não identificado no quarto (que mais se assemelhava a de um gato, segundo nossas suposições) podíamos até encarar, mas baratas migratórias vindas do Jurassic Park caindo sobre nossas cabeças (ou quem sabe sobrevoando-as) já era demasiado. Eu, por exemplo, tratei de dormir ao relento, na praia: antes passar a noite na companhia de simpáticos caranguejos do que de ameaçadoras baratas.

Quando superássemos aquela provação, refletiríamos que realmente nós devíamos estar atentos aos sinais: um barquinho com capacidade para 11 pessoas que levava 17, com o condutor mandando os afogados (com alguma sorte, náufragos) em potencial irem para aquele lado, para o outro, para a popa, para a proa, para equilibrar o peso da sobrecarregada e frágil embarcação que surfava pelas ondas que inundavam o barco (durante as duas horas de viagem entre o porto de Paraty e Cajaíba); um vira-lata coberto de sarna fazendo xixi na mala de Xará Mãe e Xará filha assim que aportamos e descansamos nossa bagagem na areia; um anão cruzando nosso caminho, correndo de sunga pela praia. Era como os avisos dos desenhos do Scooby Doo, de que algo terrível estava à nossa espreita: “fujam!!!”.

Mas agora que Inês era morta (será que ela caiu do barco e não vimos??), quem iria nos salvar? O super Amandrulhão. Sua família tinha uma pousada em Ubatuba, e após lograrmos contatá-los foi pra lá que fomos. Ficamos em uma praia paradisíaca e praticamente deserta, cujo nome não direi para que assim continue, apenas digo que remete ao rio que chega até ela. Segundo informações locais, na língua indígena esse nome significa “rio que engole homem”. Ainda assim, tanto melhor enfrentar traiçoeiras águas fluviais do que baratas titânicas.

E nosso tão esperado recesso de fim de ano escapou por pouco de virar o filme Férias frustradas de Réveillon. Em meio a ensolarados dias – uma benção em “Ubachuva” – regados a muita água de coco, lulas dorês, camarões empanados e gamão à beira-mar (finalmente encontrei parceira em SP!), em praias surpreendentemente vazias, com direito até a banho de água doce antes de dormir, o Réveillon. Que passamos na praia, após a travessia do rio em plena escuridão, cortada apenas por alguns fachos de luz de lanternas.

No entanto, após a meia-noite, as assombrações estavam à solta na praia. Uma delas veio ter comigo e com Amandita (outro nome pelo qual é conhecida Amandrulhão que, a despeito de seu grandioso porte e sensualidade a la Gabriela Cravo e Canela, tem o coração doce como uma…Amandita!). Nos abordou perguntando se tínhamos cigarro. Percebendo a avidez que o vício lhe causava já nos primeiros minutos de 2008, a pombagira se remendou: “bom, em primeiro lugar feliz ano novo, né gente?”. Nós retribuímos os votos, e ela continuou: “pois é, mais um ano pra gente aturar…”.

“Aturar”??? “Eu não aturo, eu vivo”, respondemos em coro eu e Amandita. “Intensamente”, acrescentamos também juntos, sintonizados que estávamos. “Ah, mas a gente tem que engolir um monte de coisa e blá-blá-blá”, tentava a nuvem negra que se aproximara da gente despejar sobre nós uma chuva de lamúrias, sendo devidamente cortada: “a vida é mais que isso”, rebateu Amandita. “O que você chama de ruim é pra fazer você evoluir”, completei.

Após este bombardeio de segundos de sabedoria, nossa sinistra interlocutora já começava a dar sinais de melhora (embora não aparentasse de todo convencida): “pô, que legal vocês pensarem assim, eu já começo o ano ouvindo coisas positivas. Quem são vocês?”. “Nós somos anjos caídos do céu para espalhar esperança entre a humanidade”, respondi humildemente. “Não, sério, de onde vocês são?”. “Eu sou da constelação de Órion”, disse eu, “e eu venho de Marte”, declarou Amandrulhão, enquanto apontávamos as respectivas estrelas e o planeta no céu, todos ali, acima de nós.

Nesse momento descobrimos que tampouco a dama da lastimável figura estava só. Surgia do mar, aos pulos, seu amigo Saci Pererê, em versão bípede e drag (ainda que usando somente uma sunga – afinal uma autêntica drag queen é mais que apenas glitter, é um estado de espírito). Numa enorme animação, querendo dar abraços molhados em todos. Quando veio pra cima de mim com seus bracinhos levantados, eu pensei rápido e, dos males o menor, bati minhas mãos nas dele(a), gritando “woooowwww!!!!”, me fazendo passar por um de sua espécime. Eu sabia que conseguiria desviar sua atenção da necessidade de um abraço: “WOOOOOOWWWWWWW!!!!!!!!”, ele(a) respondeu entusiasticamente, satisfeito(a) por pensar ter encontrado um semelhante.

Por fim conseguimos nos desvencilhar de Saci, Bad Trip e sua trupe (sim, vinham chegando mais!), e ficamos apenas eu, Amandrulhão, Xará e sua mãe contemplando as estrelas. Mentalizando coisas boas para o ano que chegava, que definitivamente não iremos apenas “aturar”.

E começar um ano com bons amigos, no meio de um rio sob as estrelas só pode ser um excelente presságio. Ainda que o rio em questão de tempos em tempos engula homens.

Foto: minha, de Xará, de minha sogra ou de Amandita, não me lembro, em nossa chegada a Cajaíba após muitas sacudidas

Arquivo: janeiro 2008