Parte 1: Piscinão 40°
“Vem chegando o verão, o calor no coração…”. Mais um verão se aproxima. Calor de rachar, sol de fritar. E eu desesperado com o horário de verão, pela primeira vez na vida me junto ao coro daqueles que o repudiam. Para que ter horário de verão em São Paulo? Aliás, para que ter verão em São Paulo? Aqui podia garoar e fazer frio todos os dias do ano, seria uma delícia! Eu adoro esta cidade, aqui tem tudo o que uma pessoa precisa para ser feliz, com apenas uma exceção…
Me resta sonhar, recordando verões passados, em cenários mais propícios. Ou nem tanto propícios. Transcrevo então uma crônica que escrevi há dois verões, aproveitando o ensejo da chegada da mais caliente das estações.
Piscinão 40º, uma crônica praiana
Participando de uma campanha de esclarecimento sobre o câncer de pele, o de maior incidência em nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza, tive a oportunidade de conhecer um paraíso perdido na cidade maravilhosa, mais precisamente em Ramos: o Piscinão de Ramos.
A elite preconceituosa da zona sul que, por pura ignorância, torce o nariz para esta pitoresca área de lazer da cidade (tá bem, arredores da cidade), provavelmente desconhece o fato de que em Paris, durante o verão, também há um piscinão às margens do rio Sena e que, tal e qual sua fonte de inspiração carioca, vem sendo a grande sensação dos últimos verões europeus.
Pois bem, logo ao chegar a nosso piscinão pude testemunhar a exímia habilidade de uma verdadeira chef brasileira, que não deve nada aos Troigros, Scargots e maridos de Déborah Blochs, que aportam em nossas terras com a pretensão de nos mostrar como cozinhar fazendo biquinho.
A mestre-cuca em questão vinha chegando à praia trazendo em sua cestinha saborosos joelhos (o salgado, nosso patrimônio gastronômico carioca). Sua genialidade consistia na inovação de trazer de casa os quitutes pré-preparados (existe isso?), deixando para dar o toque final no local da degustação. Assim sendo, com direito a toda uma mise-en-scene, ela, ops, tropeça, deixando rolar os ditos no solo quente, em temperatura ideal para o preparo de tão fina iguaria. Retira então com as mãos o excesso de areia (a crocância deve estar no ponto certo), e voilá, estão prontos deliciosos joelhos à milanesa!
Aliás, pode-se perceber a globalidade de nossa praia artificial também na barraca que serve como ponto de encontro de crianças que se perderam, onde se lê, abaixo de “crianças perdidas”, “lost children”. Uma medida muita simpática, que mostra a preocupação dos administradores do local em receber bem também os turistas estrangeiros, que chegam de todas as partes do mundo para se banhar nas águas cloradas de Ramos. Aqui vale destacar ainda a atuação dos bombeiros, que realizam um belo trabalho de baby-sitter, zelando pelos pimpolhos enquanto seus pais deixam despreocupadamente descer redondo a sua loura estupidamente gelada.
Mas sabadão de praia, pra ser divertido mesmo, tem que ter ação. Duas mulheres se agarravam pelos cabelos e trocavam bolachas à beira-mar, para deleite dos banhistas que, gritando palavras acaloradas, incentivavam as bravas guerreiras em seu combate. Mas tudo acabou bem. Minutos depois, as duas amigas já se reconciliavam, trocando carícias ao invés de tapas (fofas!), no melhor estilo “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves” (e de porrada também, de vez em quando).
E por falar na força do suposto sexo frágil, atenção, mulheres incomodadas com o assédio inconveniente de homens grosseiros: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Ramos. Uma pudica frequentadora do piscinão, indignada com os olhares insistentes que um sem-vergonha lançava à sua derriere, reagiu em defesa de sua honra veementemente: “o que é que você tanto olha pro meu cú? Vai tomar bem no olho do seu cú, seu filho da puta!”. Mulheres oprimidas, libertai-vos!
Em um dia de praia tão agitado, sob um escaldante sol de verão, teve até repórter da Globo passando mal. Estranho, a repórter da Band estava o tempo todo só sorrisos… A estrela global, com seu tailleurzinho cor-de-rosa indefectível e óculos-gatinha combinando, deve ter se enjoado com tanta farofa junta. Provavelmente foi embora maldizendo o balneário, quanta injustiça! Bem, garanto que se tivesse experimentado os joelhos à milanesa, teria recomposto suas forças rapidamente e se sentido bem melhor, desfazendo assim definitivamente qualquer má impressão equivocada.
Mas devo confessar que, talvez influenciado pela proximidade do aeroporto internacional, subitamente fui acometido por uma vontade de voar dali. Quem sabe rumo à terra de Jacques Chirac, para conferir se a versão de piscinão deles é tão animada quanto a nossa. Com efeito, mademoiselles trajando seus chanéis e banhadas por eau de toillete se engalfinhando às margens do Sena e esbravejando em francês “vai tomar no olho do seu cú” deve ser CHI-QUE-RÉ-SI-MO!!! Trés jolie!
Foto: goooooogle
Arquivo: dezembro 2006