Posts Tagged ‘Praia’

Simples assim

27 de abril de 2010

Fila de um teatro no Leblon, RJ. Dois distintos cavalheiros de meia-idade conversam enquanto suas senhoras foram comprar “balinhas diet” na farmácia ao lado:

– Hoje eu vi um troço super legal enquanto andava na praia, um grupo de pessoas pulando corda.

– Pulando corda?

– É, você precisava ver, era algo bem inusitado, bem bacana.

– Mas era muita gente?

– Devia ser umas dez pessoas, tinha uma gordinha, uma pretinha e um homem mais velho…

A felliniana descrição de uma cena aparentemente banal de um corriqueiro domingo me inspirou, e comecei a visualizar o peculiar grupo, a gordinha, a pretinha e o homem mais velho à frente e os demais componentes em segundo plano. Imaginei-os envoltos por uma espécie de névoa bem fina, daquelas matinais, que não comprometesse a visão do espetáculo, só o suficiente para dar o clima.

Pronto. E eu que vivo sempre no mundo da lua, peguei carona na cauda dessa cena real que trouxe tanto encantamento a pelo menos um de seus espectadores e nela comecei uma onírica viagem particular. Assim, passava em frente ao grupo uma menininha de trancinhas, andando de velocípede (ainda existem velocípedes?). Ela pedalava em direção a pequenos escorregas e casinhas feitos de plástico, coloridos, como aqueles brinquedos do Baixo Bebê. E um cachorro adestrado fazia das suas, andando em círculos nas patas traseiras e latindo para chamar (mais ainda) a atenção para si. Todos embalados por uma trilha sonora semelhante a de uma caixinha de música, só que orquestrada pelo Nino Rota. E tudo isso acontecia em câmera lenta, como se eles não quisessem nunca sair dali.

– Será que eram de uma academia?, o amigo do empolgado narrador da bela-por-si-só-em-toda-sua-simplicidade cena tinha que encontrar uma explicação plausível para ela.

– Não, mas pulavam muito bem, era muito bonito.

– Eles estavam fazendo uma apresentação teatral?

O incompreendido senhor de alma sensível já se impacientava com seu amigo paquiderme:

– Não. Estavam pulando corda.

E mudou o assunto.

Foto: goooooogle

Arquivo: maio 2008

Afogando em números

24 de abril de 2010

Fim de praia no sábado carioca. O outrora escaldante sol já vai descendo, a quantidade de gente de horas atrás se encontra agradavelmente reduzida. Essa é a melhor hora da praia. Pra relaxar. E se deparar com loucos e afins. Como as meninas que vieram vender amendoim para mim e meu amigo Gominhos Peludos no sábado em questão.

Estávamos eu e GP curtindo as últimas horas do dia à beira-mar quando as protegidas de Deus (todos sabem que Deus protege os loucos e as crianças. E as crianças loucas, claro) se aproximaram com um grande saco contendo saquinhos da acneica mercadoria. Medo. Minha pele já começou a coçar. Não, não sou alérgico a amendoim. Sou alérgico a crianças.

“Quer amendoim, tio?”, abordaram-nos familiarmente, uma se atirando de joelhos na areia e a outra se sentando, como amigas de praia, a nosso lado. “Não, obrigado”, declinamos. “Só um amendoim, compra aí!”, insistia a mais falante.

“Não temos dinheiro”, mentimos. “Ah, mas vocês comem sanduíche, sorvete, tomam caipirinha, e não têm dinheiro pra comprar amendoim?”, nos colocaram contra a parede, contando nos dedos cada um dos itens citados, enquanto jaziam junto a nós, denunciadores, um copo de mate e uma garrafinha d’água.

“Pois é, já gastamos todo o nosso dinheiro, não sobrou nada”, Gominhos tentava despistar. “Só R$ 2,00 cada!” – acho que esse é o que chamam de ouvido de mercador. “Ó, R$ 2,00 pra você, R$ 2,00 pra ele, quanto dá?”.

“R$ 22,00”, disse eu. “Ai, não é nada!”, chocaram-se ao mesmo tempo as meninas, fazendo cara de susto. “Quanto é 5 + 5?”, queriam confirmar minha incapacidade matemática. “55”, respondi. “Ele não sabe!!!”, impressionavam-se ainda mais. “E 4 + 5?”. “45”. “NÃO!”, uma delas bateu com a mão na testa. “Peraí. E 1 + 1?”, tentou do básico minha professora improvisada, fazendo a respectiva sinalização com os indicadores da mão direita e da esquerda. “11!”, respondi de pronto, para horror de minhas novas amigas: “Ai, que burro!”, já se indignava a outra, um pouco menos paciente comigo.

“Você nem conhece a tabuada!”, deduziram. “Pra passar roupa?”, Gominhos também demonstrava conhecimentos limitados. “Não!!! Quer ver? Eu sei quanto é 9 + 9!”. “Quanto é?”, desafiamos. “10! Olha…” – e começou a contar nos dedos: “…1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10!”.

Gominhos Peludos, que já devia estar se preocupando com o exemplo que eu dava às mentes em formação, achou por bem cumprir então seu papel de adulto e ensiná-las: “não…é 18. Quer ver? Nove…”, começou mostrando o número nas duas mãos, “…10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18”, concluiu, contando didaticamente nos dedos. “Olha ele roubando!”, denunciou uma. “Ele acha que a gente é boba!”, revoltou-se a outra.

Vendo que não conseguiriam vender um único saquinho de amendoim ali, logo foram tentar em outra freguesia. Porque definitivamente fazer contas não era a nossa praia.

Imagem: goooooogle

Arquivo: março 2008

Houve uma vez um verão

5 de fevereiro de 2010

Parte 2 – Masoquista!

Essa nostalgia que tem me batido da equação praia + horário de verão = boa vida me remete agora a um ano atrás, quando estava contando os dias para que chegasse meu recesso de fim de ano, outro fator desse aprazível cálculo.

Chegada a sexta-feira, último dia laboral do ano, com toda uma semana de folga pela frente, saí do trabalho naquele clima criança-entrando-de-férias-saindo-da-escola-atirando-mochila-para-o-alto. Ainda estava claro e ensolarado quando cheguei em casa. Para onde fui?

Lá chegando, me estirei na areia, aquele solzinho morno de fim de tarde aquecendo calidamente uma praia tranquila, banhada por um mar calmo e refrescante. Revigorante para a alma de qualquer mortal.

O silêncio que pairava no ar só era quebrado pelos irados esbravejamentos de uma exaltada banhista. Aparentando uns vinte e algo anos, cabelo bem curto e louro oxigenado e postura de guerrilheira, ela parecia dar gritos de guerra, ainda que sem sentido aparente.

“Imbecil! Imbecil! Imbecil!…”. Quem era o imbecil? Ninguém sabia, seu amigo imaginário, certamente. Após alguns minutos de desabafo, ela acalmava. Sentava-se em sua canga e ficava em posição de espreita, como uma leoa que aguarda para atacar sua presa.

“Orinoco! Orinoco! Orinoco!…”, eram as novas palavras acaloradamente repetidas. A fera retornava então à sua toca. “Condenado! Condenado! Condenado!…”, esbravejava ela novamente pouco tempo depois, agora à beira-mar. E se jogou na água, dando violentas braçadas em direção sabe-se lá aonde.

Sem mais distrações, concentrei todas as minhas atenções no sol, a poucos minutos de se pôr atrás do Dois Irmãos. Subitamente, veloz como um raio, surge um ser vindo do mar, que se posta ao meu lado, mão na cintura, fitando o horizonte.

“Ai ai”, pensei. “Ignoro e continuo contemplando o pôr do sol, ou me retiro discretamente e aprecio o espetáculo da natureza um pouco mais para lá? Ah, vou ficar aqui mesmo, vai”, decidi. Eis que a combatente lentamente se inclina em minha direção. “Você é masoquista?”, ela pergunta, me olhando seriamente. Olho para ela, aceno com a mão, pego meu chinelo e camiseta e dou duas bundadas para o lado. Não adiantava. Ela queria mesmo me indagar a respeito de meu perfil psicológico. Veio atrás de mim, agora afirmando com convicção: “Masoquista! Masoquista! Masoquista!…”.

Me levantei e saí de fininho, com aquele sorriso amarelo de quem está sendo alvo de todos os olhares do Posto 9, com uma dominatrix em potencial na minha cola. “Masoquista! Masoquista! Masoquista!…”, ela repetia, me seguindo, diversão garantida para quem assistia. Como nas vezes anteriores, ela acabou por se acalmar, felizmente.

Quando me sentei novamente, o sol já havia se posto. Tomei um mate e fui embora. No caminho para o calçadão, um típico esfumaçado frequentador do Posto 9 me aborda: “Pô, doidona a mulher, né?”. Pois é. Olho para trás e a vejo se aproximando de duas meninas, que também são afugentadas por seus gritos, mas não dava para escutar qual era o adjetivo da vez.

No caminho de volta, eu refletia. Desde o início ela gritava para seu amigo imaginário, o Gasparzinho, sei lá, palavras ao vento. Eu fui o primeiro ser humano a quem ela se dirigiu. Por que eu o eleito? E por que masoquista? Duas semanas antes, eu havia voltado com Mr. Big, pela quinta vez (e última, mas isso eu só viria a saber meses depois). Na verdade tínhamos voltado por telefone e naqueles dias eu aguardava ansiosamente sua vinda ao Rio, planejada para a semana seguinte. Ela sabia disso? Seria a mítica sabedoria dos loucos?

Mais tarde saí com meu amigo Marcos Farto, com quem comentei o acontecido. Ele forneceu outra possível explicação para o fato: “Você sabe que só você viu essa mulher, né? Ninguém mais viu nada do que você me contou, ela apareceu só para você”.

Será?

Imagem: gooooogle

Arquivo: dezembro 2006

Houve uma vez um verão

3 de fevereiro de 2010

Parte 1: Piscinão 40°

“Vem chegando o verão, o calor no coração…”. Mais um verão se aproxima. Calor de rachar, sol de fritar. E eu desesperado com o horário de verão, pela primeira vez na vida me junto ao coro daqueles que o repudiam. Para que ter horário de verão em São Paulo? Aliás, para que ter verão em São Paulo? Aqui podia garoar e fazer frio todos os dias do ano, seria uma delícia! Eu adoro esta cidade, aqui tem tudo o que uma pessoa precisa para ser feliz, com apenas uma exceção…

Me resta sonhar, recordando verões passados, em cenários mais propícios. Ou nem tanto propícios. Transcrevo então uma crônica que escrevi há dois verões, aproveitando o ensejo da chegada da mais caliente das estações. 

Piscinão 40º, uma crônica praiana

Participando de uma campanha de esclarecimento sobre o câncer de pele, o de maior incidência em nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza, tive a oportunidade de conhecer um paraíso perdido na cidade maravilhosa, mais precisamente em Ramos: o Piscinão de Ramos.

A elite preconceituosa da zona sul que, por pura ignorância, torce o nariz para esta pitoresca área de lazer da cidade (tá bem, arredores da cidade), provavelmente desconhece o fato de que em Paris, durante o verão, também há um piscinão às margens do rio Sena e que, tal e qual sua fonte de inspiração carioca, vem sendo a grande sensação dos últimos verões europeus. 

Pois bem, logo ao chegar a nosso piscinão pude testemunhar a exímia habilidade de uma verdadeira chef brasileira, que não deve nada aos Troigros, Scargots e maridos de Déborah Blochs, que aportam em nossas terras com a pretensão de nos mostrar como cozinhar fazendo biquinho.

A mestre-cuca em questão vinha chegando à praia trazendo em sua cestinha saborosos joelhos (o salgado, nosso patrimônio gastronômico carioca). Sua genialidade consistia na inovação de trazer de casa os quitutes pré-preparados (existe isso?), deixando para dar o toque final no local da degustação. Assim sendo, com direito a toda uma mise-en-scene, ela, ops, tropeça, deixando rolar os ditos no solo quente, em temperatura ideal para o preparo de tão fina iguaria. Retira então com as mãos o excesso de areia (a crocância deve estar no ponto certo), e voilá, estão prontos deliciosos joelhos à milanesa! 

Aliás, pode-se perceber a globalidade de nossa praia artificial também na barraca que serve como ponto de encontro de crianças que se perderam, onde se lê, abaixo de “crianças perdidas”, “lost children”. Uma medida muita simpática, que mostra a preocupação dos administradores do local em receber bem também os turistas estrangeiros, que chegam de todas as partes do mundo para se banhar nas águas cloradas de Ramos. Aqui vale destacar ainda a atuação dos bombeiros, que realizam um belo trabalho de baby-sitter, zelando pelos pimpolhos enquanto seus pais deixam despreocupadamente descer redondo a sua loura estupidamente gelada. 

Mas sabadão de praia, pra ser divertido mesmo, tem que ter ação. Duas mulheres se agarravam pelos cabelos e trocavam bolachas à beira-mar, para deleite dos banhistas que, gritando palavras acaloradas, incentivavam as bravas guerreiras em seu combate. Mas tudo acabou bem. Minutos depois, as duas amigas já se reconciliavam, trocando carícias ao invés de tapas (fofas!), no melhor estilo “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves” (e de porrada também, de vez em quando). 

E por falar na força do suposto sexo frágil, atenção, mulheres incomodadas com o assédio inconveniente de homens grosseiros: mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Ramos. Uma pudica frequentadora do piscinão, indignada com os olhares insistentes que um sem-vergonha lançava à sua derriere, reagiu em defesa de sua honra veementemente: “o que é que você tanto olha pro meu cú? Vai tomar bem no olho do seu cú, seu filho da puta!”. Mulheres oprimidas, libertai-vos! 

Em um dia de praia tão agitado, sob um escaldante sol de verão, teve até repórter da Globo passando mal. Estranho, a repórter da Band estava o tempo todo só sorrisos… A estrela global, com seu tailleurzinho cor-de-rosa indefectível e óculos-gatinha combinando, deve ter se enjoado com tanta farofa junta. Provavelmente foi embora maldizendo o balneário, quanta injustiça! Bem, garanto que se tivesse experimentado os joelhos à milanesa, teria recomposto suas forças rapidamente e se sentido bem melhor, desfazendo assim definitivamente qualquer má impressão equivocada. 

Mas devo confessar que, talvez influenciado pela proximidade do aeroporto internacional, subitamente fui acometido por uma vontade de voar dali. Quem sabe rumo à terra de Jacques Chirac, para conferir se a versão de piscinão deles é tão animada quanto a nossa. Com efeito, mademoiselles trajando seus chanéis e banhadas por eau de toillete se engalfinhando às margens do Sena e esbravejando em francês “vai tomar no olho do seu cú” deve ser CHI-QUE-RÉ-SI-MO!!! Trés jolie!

Foto: goooooogle

Arquivo: dezembro 2006