Afogando em números

Fim de praia no sábado carioca. O outrora escaldante sol já vai descendo, a quantidade de gente de horas atrás se encontra agradavelmente reduzida. Essa é a melhor hora da praia. Pra relaxar. E se deparar com loucos e afins. Como as meninas que vieram vender amendoim para mim e meu amigo Gominhos Peludos no sábado em questão.

Estávamos eu e GP curtindo as últimas horas do dia à beira-mar quando as protegidas de Deus (todos sabem que Deus protege os loucos e as crianças. E as crianças loucas, claro) se aproximaram com um grande saco contendo saquinhos da acneica mercadoria. Medo. Minha pele já começou a coçar. Não, não sou alérgico a amendoim. Sou alérgico a crianças.

“Quer amendoim, tio?”, abordaram-nos familiarmente, uma se atirando de joelhos na areia e a outra se sentando, como amigas de praia, a nosso lado. “Não, obrigado”, declinamos. “Só um amendoim, compra aí!”, insistia a mais falante.

“Não temos dinheiro”, mentimos. “Ah, mas vocês comem sanduíche, sorvete, tomam caipirinha, e não têm dinheiro pra comprar amendoim?”, nos colocaram contra a parede, contando nos dedos cada um dos itens citados, enquanto jaziam junto a nós, denunciadores, um copo de mate e uma garrafinha d’água.

“Pois é, já gastamos todo o nosso dinheiro, não sobrou nada”, Gominhos tentava despistar. “Só R$ 2,00 cada!” – acho que esse é o que chamam de ouvido de mercador. “Ó, R$ 2,00 pra você, R$ 2,00 pra ele, quanto dá?”.

“R$ 22,00”, disse eu. “Ai, não é nada!”, chocaram-se ao mesmo tempo as meninas, fazendo cara de susto. “Quanto é 5 + 5?”, queriam confirmar minha incapacidade matemática. “55”, respondi. “Ele não sabe!!!”, impressionavam-se ainda mais. “E 4 + 5?”. “45”. “NÃO!”, uma delas bateu com a mão na testa. “Peraí. E 1 + 1?”, tentou do básico minha professora improvisada, fazendo a respectiva sinalização com os indicadores da mão direita e da esquerda. “11!”, respondi de pronto, para horror de minhas novas amigas: “Ai, que burro!”, já se indignava a outra, um pouco menos paciente comigo.

“Você nem conhece a tabuada!”, deduziram. “Pra passar roupa?”, Gominhos também demonstrava conhecimentos limitados. “Não!!! Quer ver? Eu sei quanto é 9 + 9!”. “Quanto é?”, desafiamos. “10! Olha…” – e começou a contar nos dedos: “…1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10!”.

Gominhos Peludos, que já devia estar se preocupando com o exemplo que eu dava às mentes em formação, achou por bem cumprir então seu papel de adulto e ensiná-las: “não…é 18. Quer ver? Nove…”, começou mostrando o número nas duas mãos, “…10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18”, concluiu, contando didaticamente nos dedos. “Olha ele roubando!”, denunciou uma. “Ele acha que a gente é boba!”, revoltou-se a outra.

Vendo que não conseguiriam vender um único saquinho de amendoim ali, logo foram tentar em outra freguesia. Porque definitivamente fazer contas não era a nossa praia.

Imagem: goooooogle

Arquivo: março 2008

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Uma resposta to “Afogando em números”

  1. Juliana Says:

    Ai que legal!
    Sem mais…

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