No escurinho da blogosfera

29 de setembro de 2012

E pronto. Chega de falar da minha vida. Quem estiver interessado em acompanhar meus próximos crônicos capítulos, que compre meu livro. Não, não publiquei um livro. Mas posso vir a publicar um dia. E, em tempos de redes sociais, se eu não estiver nesse momento falando, ou melhor, escrevendo, sozinho, e houver alguém aí fora me ouvindo, ou melhor, me lendo, que crie uma petição no Facebook do tipo “Queremos Paulo Pu em nossas Prateleiras – PPP!” e a entregue com 1 milhão de assinaturas para cada editora brasileira.

Bom, mas cá escrevo esta derradeira crônica (neste espaço, que fique bem claro. E sim, já há algumas não publicadas, à espera de acontecimentos, como a Marina Lima) justamente para falar não apenas sobre blog, mas também de redes sociais.

Sim, porque resolvi me atualizar e criei não só um novo blog, como também seus derivados. Agora meus escritos poderão ser lidos, curtidos e seguidos, de acordo com o gosto do freguês. Bem, e como já adiantei, o assunto não será mais minha vidinha, mas sim a vida dos outros. A vida ficcional dos outros. Ou baseada em realidade, mas interpretada por outros. Ou documentada. Animada, também, por computador ou artesanalmente. Em 2D, 3D, e os D mais que vierem.

Filmes, enfim, falarei de filmes!

Short Cuts – Quanto mais filme melhor

Dicas minimalistas de grandes (ou nem tanto) filmes. Com humor, que nunca é demais.

(favor não confundir a bela homenagem do subtítulo a um dos maiores cineastas de todos os tempos com campanha de refrigerante!)

Leiam, curtam e sigam! E façam bastante propaganda boca a boca!

Para ler:

http://www.shortcutsbrasil.blogspot.com/

Para curtir (com ou sem pipoca):

https://www.facebook.com/shortcutsblog

Para seguir sugestões diárias (sim, diárias) de filmes:

https://twitter.com/shortcutsbrasil

 

Saudações cinematográficas!

 

Foto: quem ler o blog novo saberá 

Diário de um lunático (Lunático: segundo definição da Turma do Balão Mágico, aquele que vive sempre no mundo da lua)

21 de agosto de 2011

Segunda-feira

Reprise (mental) do antepenúltimo capítulo de Lost. Reunidos em torno de uma fogueira estão Jack, Kate, Sawyer e Hurley. Diante deles, Jacob enfim revela o porquê de eles estarem ali na ilha. Quem dá a deixa é Sawyer, quando diz que estava bem até ser levado para lá sem pedir.

“Não, não estava. Nenhum de vocês estava. Não tirei ninguém de uma existência feliz. Todos estavam sem rumo. Eu os escolhi porque vocês eram iguais a mim. Vocês eram solitários. Queriam algo que não conseguiam encontrar lá fora. Escolhi vocês porque precisavam deste lugar tanto quanto ele precisava de vocês”, assim falou Jacob.

Porra, Jacob, como você foi se esquecer de mim?

Terça-feira

“Toddy orgânico é o delicioso sabor da verdade de Toddy [hein?!], feito com ingredientes orgânicos livres de defensivos agrícolas e cultivados em harmonia com o meio ambiente, em busca de um amanhã melhor que hoje.”

Ah, tá.

(será que serviam Toddy orgânico ao pessoal da Iniciativa Dharma?)

Quarta-feira

“Somos todos personagens dramáticos que só se manifestam comicamente” – Vittorio Gassman em La Terrazza, de Ettore Scola.

Quinta-feira

“TIIIRA O DEMÔNIO DA JACIRA!!” – esses programas de rádio evangélicos de madrugada podem ser muito divertidos.

Sexta-feira

Emma Morley. Descobri minha alma gêmea literária (a cinematográfica é Boris Yellnikoff, de Tudo Pode Dar Certo, do Woody Allen). A protagonista de Um Dia, livro do britânico David Nicholls, já passou por coisas que eu passei, tem planos parecidos com os meus, e, como se não bastasse, até diz coisas que eu já disse ou costumo dizer, a danada.

Mas temos algumas diferenças. Não compartilho uma certa militância sua, por exemplo. Emma quer mudar o mundo. Eu não, eu quero é ser mudado por ele. Isso ainda não aconteceu, mas, como ela e eu dizemos, “alguma coisa vai acontecer, porque simplesmente não é possível que não”.

Em certa área da vida, também estou mais para o Dexter, o outro protagonista da história. E quem melhor o define é a própria Emma, quando indagada por um terceiro personagem sobre o nome do mais recente par de seu amigo: “São como peixinhos de aquário, não adianta dar nome porque não duram muito”.

Sábado

Oba, hoje vai passar na TV Carrie, a Estranha. Por mim eu veria Carrie, a Estranha todos os sábados à noite. Será que isso é muito estranho?

Domingo

É como estar no espaço lutando contra aliens. Não adianta gritar que ninguém vai me ouvir.

Segunda-feira

E essa tal estabilidade? Hei de encontrar, parafraseando o Tim Maia. Afinal, já sou freelancer por demais, como cantava aquele grupo oitentista de sugestivo nome Sempre Livre. Tentarei um concurso público.

Terça-feira

E agora o Bob`s me vem com milkshake de Chokito. Bem, é bom, mas o de Ovomaltine é melhor. O milkshake de Ovomaltine é imbatível. Minha única decepção recente em relação ao Ovomaltine foi com o Danette. Porque o Danette de Ovomaltine não tem Ovomaltine. E propaganda enganosa até nas minhas gulodices, aí já é muita sacanagem.

Quarta-feira

E o feijão queimou, esquecido que estava no fogo, coitado. E pronto, minha roupa, estendida no varal, está cheirando a feijão queimado – inclusive minhas cuecas.

Quinta-feira

Tenho medo basicamente de três coisas: altura, pessoas e luzes de Natal. De barata não tenho medo. É ódio mesmo.

Sexta-feira

Em um futuro não muito distante, alguém irá me encontrar na toca do Pu todo descabelado e jogando pozinhos coloridos pela casa, junto com meu mais novo amigo imaginário, repetindo “I hear in my mind, all of these voices / I hear in my mind, all of these words / I hear in my mind, all of this music / And it breaks my heart, it breaks my heart, it breaks my hahahahahahahahahahahahaheart”, igualzinho àquele clipe da Regina Spector.

Praticamente uma Catherine Deneuve em um Repulsion pós-moderno e às avessas.

Sábado

Na vitrola: “Mistérios da meia-noite que voam longe / Que você nunca, não sabe nunca / Se vão, se ficam / Quem vai, quem foi…”

(Música-tema do lobisomem de Roque Santeiro)

Domingo

Ai de ti, Ipanema. Depois do triste destino do cinema Bruni/Star Ipanema, que passou lastimavelmente fechado por anos e anos até se ver violentamente transformado em uma ainda mais lastimável Casa & Vídeo, chegou a vez da tosca padaria Eldorado – esta sim que já deveria ter fechado as portas há muito –, que poderia enfim encontrar sua grande chance de se redimir, mas será substituída pela 953ª farmácia do bairro.

Segunda-feira

Cursinho preparatório intensivo para o concurso público. Quatro anos de faculdade revisados em um mês. Iupi.

Terça-feira

Acho que foi Oscar Wilde quem pediu aos céus que o livrassem dos males físicos, pois dos espirituais ele podia dar conta. Eu estou bem servido de ambos. Dos primeiros, tenho minha coroidite serpiginosa, meu prolapso da válvula mitral e minha gastrite. Para a primeira, ando tomando até injeção no olho. E a substância injetada é originalmente usada para tratar câncer retal. Ou seja, introduzem no meu olho, em minha janela da alma, algo que na verdade é para o olho do cu.

(nota: procurar um bom psicanalista)

Quarta-feira

Será que um dia aprenderei a comer sem derramar comida em cima de mim? Minhas camisas – e também algumas calças – agradeceriam enternecidas.

Quinta-feira

Na cestinha da farmácia: Cebion sem açúcar. Logo após, na do supermercado: Nutella, que um par de horas depois é devorado inteiro durante a novela. É justo.

Sexta-feira

Sonho meu: sou o concierge do Copacabana Palace, e o hotel está em polvorosa com a chegada inesperada de Lady Di. E eu, pego de surpresa, amaldiçoo a Lei de Murphy, que fez com que justamente naquele dia, sabe-se lá por que (geralmente é assim), eu estivesse sem meu lindos e engraxados sapatinhos de couro, mas com um vergonhoso par de tênis velhos. E é claro que eu fui destacado para ciceronear a ilustre hóspede pelo hotel e conduzi-la até seu quarto. E eu todo o tempo suava de aflito, rogando à Nossa Senhora dos Maltrapilhos para que a princesa não olhasse para meus pés.

Sábado

Exposição Oneness da japinha Mariko Mori no CCBB. Na instalação interativa de mesmo nome (Oneness, e não Mariko Mori), seis extraterrestres feitos de technogel (algum material de japonês) estão dispostos em um círculo, e o visitante tem a chance de ter uma experiência extrassensorial com eles. Tal consiste em se ajoelhar diante do ET e tocar seu coração. O que acontece? O coração vibra e eles abrem os olhos, uau. Não sei por que, eu achava que eles também diriam algo. Então eu passei cinco minutos ajoelhado diante de um ET de technogel, com a mão em seu coração, e ouvido próximo à sua boca, esperando que ele me dissesse algo, sei lá, me transmitisse alguma mensagem de amor e paz de outra galáxia. Mas ele não me disse nada. E mais, o coração do Oneness ET volta e meia parava de vibrar – definitivamente ele não era da mesma espécie que o ET spielbergiano, cujo coração até se iluminava. E eu saí de lá com a incômoda sensação de que não consigo tocar o coração nem de um ET. De um ET de technogel.

Domingo

Crepúsculo dominical. Tenho medo dele. Sim, tenho medo basicamente de altura, pessoas e luzes de Natal. Basicamente. Isso quer dizer que eles se desdobram em outros. O medo do anoitecer aos domingos é um desdobramento do medo das luzes de Natal. Que ninguém me pergunte o porquê, não sou psicólogo.

Segunda-feira

Esse sistema do Starbucks de chamar os clientes pelo nome quando seu pedido está pronto pode ser bem estimulante. Dessa forma, em uma segunda-feira de manhã, pode-se ouvir a atendente gritar a plenos pulmões: “Vitória! Vitória!”.

Terça-feira

Conversa entre duas meninas no cursinho preparatório intensivo para o concurso público: “Eu levo umas vinte canetas para a prova, porque fico com medo delas falharem”, diz uma delas (uma das meninas, não das canetas), para se corrigir logo em seguida: “Não, eu estou exagerando, na verdade não levo viiiinte [enfatizando] canetas, levo umas dez”. E depois quando eu digo que as pessoas são muito loucas, ainda me chamam de misantropo, antissocial, implicante ou algo assim.

Quarta-feira

Será que algum dia a tecnologia evoluirá a tal ponto em que será possível a criação de tampas de danones que saiam inteiras quando as puxamos?

Quinta-feira

“Podia ser pior.” Minha (e de Emma Morley) tradicional constatação diante do espelho.

Sexta-feira

“É preciso ter o caos dentro de si para se dar à luz uma estrela cintilante.”

Putz, Nietzsche, assim sendo em breve irei parir constelações.

Sábado

Vou-me embora para Xanadu / Lá sou amigo da rainha Olivia Newton John / Lá terei quem eu quero / Na cama que escolherei.

Domingo

Oba, está passando na TV um filme com bichinhos que falam, é tudo o que eu precisava (eu juro que não estou sendo irônico).

Segunda-feira

Glicose e triglicerídeos em alta, segundo o resultado do meu exame de sangue: o ônus de ser essa pessoa tão doce.

Terça-feira

Sim, sou um doce de rapaz. Daquele tipo que arregalam os olhos quando o veem, caem de boca, mas, antes de se chegar à metade, fazem careta e exclamam “afasta de mim esse prato!”. Sou um doce. Enjoativo, porém, ao que parece.

(nota: não ser eu a cair em tentação, e finalmente aprender que só devo oferecer o primeiro pedaço, colherada, enfim)

Quarta-feira

Odeio quartas-feiras, quando esse jogos de futebol encurtam a minha novela.

Quinta-feira

Sonho meu: sou amigo de Bin Laden, e ele está me visitando no balneário de São Sebastião do Rio de Janeiro. Enquanto caminhamos durante uma aprazível tarde ipanemense, ele se mostra um tanto preocupado em ser reconhecido nas ruas, e eu o tranquilizo dizendo que ninguém jamais pensaria que seria ele mesmo ali, em plena Ipanema – mesmo porque todos acreditam que ele está morto. No máximo, o tomariam por um sósia e o apontariam, fazendo chacota, cumprimentando-o mesmo, “aê, Bin Laden!”, mas sem realmente acreditar que é o próprio. Reconfortado meu amigo, passamos a discutir os planos de minha fuga da prisão, para a qual eu em breve seria mandado, sabe-se lá por que (geralmente é assim), e da qual, claro, Bin me resgataria e seria meu grande herói.

Sexta-feira

Adoro quando chega fim de festa, e só restam na pista, ou fora dela, aqueles que ao que parece nem sabem mais como sair dali (e nem mesmo o que estão fazendo ali), com um sorrisinho parado e idiota no rosto, olhos vesgos, balançando a cabeça lenta e descoordenadamente, levantando os bracinhos, com um copo, taça, lata, dependendo da ocasião, isso não importa mais, em uma das mãos, dentro do qual está igualmente dançando o resto de seu conteúdo, uma bebida já há muito quente e choca, seja ela qual for, dependendo da ocasião, isso já não importa mais, ao som de “eu bebo sim, estou vivendo, tem gente que não bebe está morrendo, eu bebo sim”. É um momento mágico.

Sábado

“A vida é um revirar-se entre camas e caixões” – O Cavaleiro Inexistente, Italo Calvino.

Domingo

Às vezes dou asas à imaginação (mais do que de costume) e imagino como seria um mundo em que existissem super-heróis. E é claro que, tal e qual um Pedrinho, me incluo nessa. Afinal, quais as características comuns a todos os super-heróis? Eles têm superpoderes, são solitários, trágicos, e têm um ou dois pontos fracos. Pois eu também sou solitário, trágico e tenho vários pontos fracos. Só não tenho superpoderes. O que acho que deva ser a melhor parte.

Mas, de qualquer forma, se eu tivesse um superpoder, gostaria que fosse o de me teletransportar. Ou de me transformar em quem eu quisesse, como a supervilã Mística, dos X-Men. Pensando bem, se eu fosse a Mística, me transformaria na Paris Hilton e nunca mais precisaria me transformar em mais ninguém.

Segunda-feira

De onde a coca-cola tirou a ideia de que é sinônimo de felicidade?

Terça-feira

Acho que exagerei no amaciante. Minhas roupas estão parecendo todas de veludo.

Quarta-feira

“Você tem arcada de livro…”, disse minha nova dentista. “E o que isso significa, doutora?”, perguntei eu, já desconfiado. “Significa que você tem a arcada dentária perfeita, daquelas modelo, de livro de odontologia. Iguais à sua, a gente só vê em consultório uma vez por ano. Certamente não verei outra assim neste ano.” E com essa eu ganhei meu dia, quiçá também meu ano. Eu tenho algo perfeito. Dentista boa mesmo essa. Me fez sorrir por fora e por dentro.

(Mais uma diferença entre mim e Emma Morley: uma de suas características era o fato de sorrir apenas com a boca fechada. Agora eu mostro todos os dentes. E ainda acho que descobri qual pode ser meu superpoder: dar supermordidas)

Quinta-feira

Fechar um site com música e a dita continuar tocando é coisa do capeta?

Sexta-feira

Quem corre seus males espanta. Por isso eu corro demais, igual à Adriana Calcanhoto. E ao final da corrida noturna de hoje constato algo debaixo de meu braço. Havia espuma em minha axila. Sim, só em uma. E não, não fazia ideia do que diabos pudesse ser aquilo. Mais uma rebelião de meu corpo? Espuma para apagar o fogo que toquei nas carruagens, ao som de Vangelis? Ou simplesmente, como em um daqueles toscos ditos populares, pode-se dizer que eu corri até o suvaco espumar?

Sábado

Na vitrola: “I`ve had a hole in my heart, for so long / I learned to fake it, and just smile along / Down on the STEAMS (sic), those men are all the same / I need a love / Not games, not games…”

(Momento Candy, ou Vapor Barato)

Domingo

Pronto. My Tears Dry on Their Own já era uma música que me tocava. Agora, desde que Amy se foi, não me sai mais da cabeça, só que agora com uma literal overdose de melancolia. Ai de mim. Vou fazer um brigadeiro e comer inteiro na panela. Panela de pressão.

Segunda-feira

Até que macarrão queimado não é ruim. Acho que queimarei o macarrão mais vezes.

Terça-feira

“O que é seu, está guardado”, alguns dizem. Só espero que não mofe.

Quarta-feira

Existirá alguma marca de meia que seja realmente de qualidade, ou será eu que tenho espinhos nos calcanhares?

Quinta-feira

Meia-noite em Paris. É claro que adorei o filme. É claro que me identifiquei com o personagem que não se identifica com o tempo nem com o espaço.

A Belle Époque e os anos 1920 da Paris do filme de Woody. Ou ainda Hollywood, décadas de 40, 50 – nessa época poderia ser até mesmo minha terra natal, Ipanema. Nova York anos 1970. Gosto especialmente de como os cavalheiros de séculos passados tiravam os chapéus para cumprimentar os outros na rua.

(nota: assuntar com amigos sobre quando será a próxima festa a fantasia)

(nota 2: serão meus recentes sonhos com Lady Di e Bin Laden influência de Woody?)

Sexta-feira

De Tanto Bater Meu Coração Parou. Filme chatíssimo, um dos poucos a que nem minha polianice cinematográfica resistiu chegar ao fim, à prometida última batida. Mas daria um excelente nome para uma eventual biografia minha. Quando estou em alguma aglomeração de gente, tipo vagão de metrô, eu olho para as pessoas e fico pensando que cada uma delas irá morrer um dia. Me pergunto se alguma delas estaria também pensando nisso naquele instante. E a única certeza que tenho é a de que irei morrer mais do que cada uma delas. Seja lá o que isso signifique.

(e seja como for, em minha próxima vida quero ser uma gaivota. Ou, quem sabe, ainda que por motivos diversos, o lulu da pomerânia de uma solteirona – feia, que é pra garantir)

Sábado

Não sei por que ando eu com esta monotemática cardíaca. Eu que nem coração tenho mais, queimado que foi o pobre pelo fogo de palha alheio. Sim, ele poderia renascer de suas próprias cinzas, tal e qual uma fênix. Uma fênix empalhada. Sim, meu coração é uma fênix empalhada.

Domingo

Tem gente que é uma força da natureza. Eu sou um desastre natural.

Segunda-feira

Hoje havia no Leblon um vendedor de flores, que expunha suas belas mercadorias em uma espécie de carroça, em forma de buquês. Era tão bonito, mas logo me perguntei se ele estaria de acordo com a lei, ou seria considerado um ambulante. Porque, nesse caso, logo poderia estar a guarda municipal a caminho para destroçar todas as suas flores e deixar o pobre homem sem seu honesto e lírico ganho. Medo. Isso seria o cúmulo do fim da poesia.

Terça-feira

Será que Jacob era um farsante? E quem estava certo, sobre o final das contas, era Macbeth? Ou, quem sabe, Mr. Kurtz, de….O Coração das Trevas? O horror! O horror!

(nota (para um futuro próximo, porque por ora basta de abstrações): procurar alguma possível relação entre Heart of Darkness, de Joseph Conrad, e Total Eclipse of the Heart, da Bonnie Tyler)

Quarta-feira

“…♫I don`t know what to do, I`m always in the dark♫….”……..“The horror! The horror!

Quinta-feira

“A vida sem música seria um erro.” A minha decerto seria bem menos divertida, sem associar cada momento da minha (vida) com alguma (música). Aliás, Nietzsche teve mesmo umas sacadas geniais. Não foi ele quem disse também que “temos a arte para não morrer da verdade” e “aqueles que foram vistos dançando foram julgados loucos por aqueles que não podiam ouvir a música”?

(nota: tentar, mais uma vez, ler um livro inteiro de Nietzsche)

Sexta-feira

Não entendo por que me olham de lado quando dou tapas na testa. Em vez de me julgar, por que não me ajudam a matar esse mosquito maldito?

(meu próprio momento nietzschiano, enquanto aguardo o início de uma peça em um saguão repleto de insetos sanguessugas voadores)

Sábado

Música para meu epitáfio (simbólico, afinal serei cremado e minhas cinzas lançadas ao mar – a não ser que alguém se disponha a escrevê-lo em alguma pedra submersa das Ilhas Cagarras): “I started a joke, which started the whole world crying / Oh, if I only had seen, that the joke was on me / I started to cry, which started the whole world laughing / Oh, if I only had seen, that the joke was on me / I looked at the skies, running my hands over my eyes / And I fell out of bed, hurting my head from things that I said [and done, eu acrescentaria] / I finally died, which started the whole world living / Oh, if I only had seen, that the joke was on me…”.

Domingo

Reprise (mental) de Lost. Jacob enfim revela o porquê de todos estarem ali na ilha: “Vocês estavam sem rumo. Eram solitários. Queriam algo que não conseguiam encontrar lá fora. Escolhi vocês porque precisavam deste lugar tanto quanto ele precisava de vocês”.

Porra, Jacob, como você foi se esquecer de mim?

Imagem: goooooooogle

Debochados até a morte

3 de março de 2011

Essa semana meu sobrinho mais velho, Afilhado, ligou para Mamãe Chance Sellers contando a última que tinha aprontado com seu indefeso irmão, Espoleta: ele tinha se fingido de morto. Literalmente. Enquanto brincavam, Afilhado simulou um piripaque, se jogou no chão e lá permaneceu imóvel, olhos fechados, indiferente às violentas sacudidas que seu irmão, em pânico, lhe dava, tentando reanimá-lo. Aos prantos, ele pedia, “não morre, Afilhado! Não morre!”.

“Mas aí eu não aguentei mais fingir…”, contou Afilhado à sua avó. “Que bonitinho…”, pensei eu, enquanto esta me retransmitia a história, “…ficou com pena do irmão”, deduzi. Dedução tão ingênua quanto a de meu sobrinho caçula: “…eu não consegui segurar o riso!”, completou Afilhado, arrematando que quase….morreu de rir!

Até aí a história não teria nada de original, apenas uma brincadeira entre irmãos pequenos. Lembro que minha irmã Ternurinha já tinha feito uma dessas comigo quando eu devia ter a mesma idade de Espoleta. Aliás, uma só não, duas, e o pequeno Pu caiu em ambas, diga-se de passagem.

Assim como Espoleta, duplamente enganado.  Só que com ele foi no mesmo dia, uma à tarde, outra à noite, coitadinho. Afilhado não teve dó de repetir a sinistra pilhéria? Não, não foi bem assim…

Quando minha irmã e mãe dos meninos, Material Girl, chegou em casa, Afilhado contou a ela o ocorrido, orgulhoso do sucesso de sua debochada trama macabra. Minutos depois, quem fingia o desmaio final para o pobre do Espoleta?

Sim, isso mesmo. Como eu disse, não há nada de diferente em uma criança de 12 anos pregar uma peça em seu irmão de cinco. Mas aquela que gerou em seu ventre o pequenino ser, e supostamente tem responsabilidade sobre ele, fingir que o deixou órfão, é algo que só poderia acontecer em uma família.

Sim novamente. Na Família TraPu, que tem em Papai Sabe Tudo, Material Girl e este que escreve (e, para orgulho destes, Afilhado seguindo os mesmos passos) os estandartes do deboche. Que não poupa a ninguém.

“Afilhado!”, aterrorizava-se novamente Espoleta, mal havia se refeito do susto de horas antes. “Agora ‘é’ só nós dois!”, constatava ele a dura realidade que, em sua cabecinha infantil e ludibriada, ambos enfrentariam, sem lembrar da existência paterna, novamente aos prantos.

Não fiquei sabendo como essa segunda farsa terminou, mas posso deduzir que da mesma maneira que a anterior: Material Girl não deve ter conseguido levá-la adiante. O riso certamente não deixou.

Foto: goooooooogle

Pilar e Pierre

1 de fevereiro de 2011

 “Se eu tivesse morrido antes de conhecer Pilar, teria morrido bem mais velho do que sou hoje” – Saramago sobre Pilar, que conheceu após os 60 anos de idade. A quem também dedicou seu biográfico As pequenas memórias – “À Pilar, que ainda não havia nascido e demorou tanto para chegar” (Pilar nasceu 28 anos depois de Saramago).

Levando ainda em consideração que ele escreveu suas obras de arte também após os 60, “tudo o que é bom me aconteceu tarde”, tiro mais uma vez o chapéu para meu escritor favorito e reconheço o tão propalado valor da paciência – mas continuo fazendo votos para que eu não precise esperar tanto, literária e afetivamente.

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“Consegui no máximo ir até a esquina. Não conseguia ficar longe do Yves” – Pierre Bergé, no documentário O louco amor de Yves Saint Laurent, referindo-se ao endereço para onde foi quando teve uma briga com o estilista e saiu de casa.

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Não sei se um dia terei o status de um Saint Laurent ou um Saramago. Mas tenho a humilde pretensão de encontrar pra mim um Pierre ou uma Pilar.

Foto: goooooooogle

Receita (de pão) para um mundo melhor

6 de dezembro de 2010

Super padaria e mina de ouro 24 horas Bella Biba, sábado à noite. Abarrotada de gente como sempre, aguardo meu lugar ao balcão como sempre. Avisto de longe um cara que cruzava os talheres. Me aproximo e continuo aguardando, a uma distância que me permitisse ao mesmo tempo garantir meu lugar e não ser invasivo. Mas não foi assim que pensou a dona que chegou logo depois e sonsamente se postou entre mim e ele, praticamente sentando em seu colo. E eu já pensava nas possibilidades para o desenrolar daquela cena:

1. Eu pagaria de trouxa e a dona sonsa me tomaria o lugar na cara dura.

2. Eu pagaria de barraqueiro e a cutucaria no ombro, “ei, eu já estava esperando este lugar, pode dar licença?”.

Qualquer destas que fosse, o aborrecimento era certo.

Eis que o rapaz, ainda sentado, se curva para se desviar da (literalmente) espaçosa senhora e se dirigir a mim: “você está esperando pra sentar, né?”. “Que fofo!”, pensei, pego de surpresa. “Estou, obrigado”, respondi, já contornando a muralha e tomando o lugar que me era de direito – pela ordem de chegada e educação.

E a espaçosa dona se retirou, levando sua grande sonsice para outra banda.

Enquanto comia meu pedaço de pizza quatro queijos, eu refletia com meu chopp:

“Se houvesse mais pessoas justas e gentis em vez de uma gentalha sem a menor educação e ainda metida a espertinha, o mundo poderia ser um lugar bem legal pra se viver”.

Imagem: gooooooogle

Mostra pra mim, ou Um festival de considerações cinematográficas

22 de novembro de 2010

E começou. Mais um festival de cinema em minha vida sem roteiro e sem direção. Pelo quinto ano, por questões menos culturais e mais geográficas, troco o Festival do Rio pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

E como não poderia deixar de ser, uma das atrações da Mostra de São Paulo são as filas. Seja para comprar/trocar ingressos, seja para simplesmente ingressar nas salas. E eu, que durante o resto do ano repudio este tipo de aglomeração humana – principalmente em SP, onde os nativos formam filas pelo simples prazer de formar filas -, durante as duas semanas de mostra me incluo nesta união feliz da vida. E quando passa algum desavisado que olha pasmo para aquele mundo de gente em linha parado diante de uma bilheteria de cinema ainda fechada porque ainda não é nem meio-dia, minha alegria redobra. Adoro ser o esquisito da vez.

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Se alguém conseguir entender do que se trata Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas – seja o enredo, razão de ser ou por que cargas d`água a Folha de São Paulo falou tão bem dele, por favor me explique. Eu não entendi lhunfas. Aliás, já deveria ter aprendido que quando a Folha elogia um filme, é para passar longe dele.

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O coreano Poesia (por incrível que pareça elogiado pela Folha, diga-se de passagem) lembra muito o Mother, em busca da verdade. Saí do cinema jurando que era do mesmo diretor, mas o IMDB me disse que não é. Seja como for, é tão excelente, e pungente, quanto.

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A árvore, australiano dirigido pela francesa Julie Bertucelli, de Desde que Otar partiu, tem uma história bem bobinha: uma família que vive nos cafundós da Austrália se vê repentinamente abalada pela morte do pai, cujo espírito supostamente vai parar na grande árvore do título e da casa. Sim, história bobinha. Mas bem contada. E eu adoro ver filmes ambientados nos cafundós da Austrália.

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Estou aproveitando a Mostra SP para conhecer alguns cinemas que não conhecia (sim, há alguns cinemas em São Paulo que eu não conheço). Assim, lá fui eu “prestigiar” os reinaugurados Cine Marabá e Cine Olido. Pronto, já estão conhecidos. Agora posso voltar lá na próxima mostra. Se passar algum filme muito bom, claro. Os entusiastas da revitalização que me perdoem, mas não gosto mesmo do centro de SP. Tampouco me seduziram seus cinemas.

Já o Cine Sabesp, em Pinheiros, me surpreendeu. Sala boa e grande. Lugar agradável. O único inconveniente que encontrei no cinema mantido pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo foi no bebedouro. Pra não dizer que não sai água dele, sai aquela gotinha, que você tem quase que beijar o bebedouro para poder ao menos molhar o lábio. Bem, provavelmente isso faz parte de alguma campanha de incentivo ao uso consciente da água. Eu que sou insensível e não entendi a proposta do Cine Sabesp de ajudar a salvar o planeta.

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A crítica comparou o mexicano Ano bissexto a O último tango em Paris. Sim, lembra mesmo. Só que não tem o charme atenuante de um Brando com Maria Schneider. É bem hiper-realista. Muy fuerte.

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O mágico: o que dizer de um desenho dirigido pelo mesmo cara de As bicicletas de Belleville, com base em um roteiro deixado pelo Jacques Tati? E sendo o mágico do título o próprio Tati/Monsieur Hulot, em versão animada. Em uma das cenas, ele literalmente tropeça em um cinema e cai no meio de uma sessão de Meu tio. Não, não é redundante dizer que este filme é…mágico.

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Você vai conhecer o homem dos seus sonhos: bem, e eu como não consigo encontrar o meu, me resta fazer coisas como comprar o pacote de 40 filmes para o festival de cinema – não podendo deixar de incluir em minha programação a pré-estreia do novo Woody Allen, ainda mais com um título tão sugestivo. Afinal, como diz a personagem da Naomi Watts, às vezes a ilusão pode ser mais eficaz que remédios. Remédios para as sarnas que nós mesmos arrumamos para nos coçar. Sarnas que podem ser dos mais variados tipos: solidão, medo de envelhecer, busca pelo sucesso etc etc etc. E qual a lição no final de tudo? Nenhuma. Porque como muito bem lembra Woody, “a vida é só um conto cheio de som e fúria, sem significado algum no final”. Sábios Macbeth e Woody.

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E não é que a Noruega faz filmes bem? Uma casa para o Natal, por exemplo, faz parte daqueles filmes bobinhos que eu tanto gosto. Mas não é um filme bobinho falado em inglês, nem estrelado pela Sandra Bullock, o que já é algo original. Histórias de cozinha, por sua vez, tem um enredo mais desenvolvido. Agora preciso tentar encaixar outros noruegueses para esta reta final. E me reconciliar com o Caro Sr. Horten, que ignorei quando passou no cinema e que agora alugarei em DVD. E continuar com a linda imagem final de Comida fria, ao som do Eurythmics, em minha mente: “hey, hey, I saved the world today, and everybody`s happy now, the bad things gone away…” (praticamente uma Menina Superpoderosa).

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Livro iraniano de receitas é um documentário sobre como não é nada doce nascer mulher naquele país. Sim, nenhuma novidade, todo o mundo já sabe disso. Mas não da forma que é mostrada no filme: diferentes mulheres cozinham para suas famílias e falam de seu dia a dia, enquanto comentam suas receitas. A originalidade como tempero para o que poderia ser apenas mais um documentário formal e clichê.

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Problema, who are we in the 21st century?: neste documentário, 112 pessoas – entre representantes de organizações relacionadas a meio-ambiente, cultura, direitos humanos etc, artistas e outras figuras, de todo o mundo – reunidas em um círculo na praça em que houve a primeira queima de livros pelos nazistas, respondem a perguntas enviadas por outras 100, também de diferentes partes do globo. Não, o filme não mostra cada uma dessas pessoas respondendo a cada uma das perguntas. É editado. E sim, algumas das principais questões que entraram para o doc se referem a assuntos óbvios como aquecimento global, bomba atômica, Israel x Palestina. Mas o grande atrativo aqui é ver os diferentes pontos de vista das mais diversas culturas a respeito. Entremeando as discussões, impressionantes imagens de apoio – algumas belas, outras trágicas. Que ilustram bem o que diz um dos integrantes do círculo (que, a propósito, se chamou Table of Free Voices, e foi realizado em 2006, em Berlim): “é vergonhoso fazer parte dessa raça humana. Mas ao mesmo tempo me sinto totalmente atraído por ela”.

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Gosto tanto de festivais de cinema, que em suas duas semanas faço coisas que não faço todo o resto do ano, tal e qual algumas pessoas durante os dias de carnaval. O gosto pelas filas, por exemplo. E também aquilo que faço nelas. Explico. Quando alguém puxa papo comigo, eu respondo com palavras – e das simpáticas até! – em vez dos habituais grunhidos (tenho medo de pessoas que puxam papo em filas). E muitas vezes até incentivo a conversa.

Outra extravagância a que me permito é chamar alguém para ver um filme comigo. Funciona assim: eu pego o telefone, ligo para algum amigo que eu saiba que gosta de cinema, e pergunto a ele se não estaria interessado em me acompanhar. Só neste ano, fui acompanhado a quatro sessões, e com três amigos diferentes! Bem, a partir de amanhã retomo minhas sessões como o cavaleiro solitário. E volto a olhar com cara desconfiada para quem, em uma fila, dirigir a palavra à minha taciturna figura. Afinal, o carnaval, digo, festival, já terá passado.

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E eis que no último dia desvendo o mistério do porquê Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas ter vindo tão elogiado. Um amigo de fila me contou: ele foi o vencedor da Palma de Ouro em Cannes deste ano. Mas tal revelação me gerou uma questão ainda mais inquietante: como que um filme desses pode ter levado a Palma de Ouro em Cannes?!

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Apesar de minhas divergências com Tio Boonmee, fiquei com ele até o fim. Na verdade, o único que me fez sair do cinema foi o (também) oriental Casa de palha. Não, não é um filme trash, é ruim mesmo. São duas categorias distintas pra mim. Trash é ruim mas é bom, diverte. Maior exemplo desta mostra foi o haitiano Os amores de um zumbi, que certamente levaria o Framboesa de Ouro, se este tivesse a categoria filme estrangeiro.

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Outra atração da mostra de cinema são seus personagens. Não, não me refiro aqui aos fictícios, mas os de fora da tela. Sim, porque a cada ano conheço novas figuras na tela grande, mas na plateia esbarro sempre com as mesmas. Pessoas que parecem existir somente durante as duas semanas de mostra, pois nunca as vejo no resto do ano.

Tem o coroa que, antes de começar as sessões, fica conversando em volume tão possante quanto o som da sala do cinema, comentando sobre os filmes que viu até o momento. Ele fica de pé próximo a algum espectador – e ele deve ser bem popular, porque parece realmente conhecer aquele com quem está falando (provavelmente algum amigo de fila de outros festivais) -, e em alto e bom som difunde por toda a sala as sinopses de outros filmes da mostra, sempre acompanhadas de sua crítica pessoal. E eu que sinto falta dos trailers durante o festival, quando calho de estar na mesma sessão que o colega de mostra, me sinto recompensado desta lacuna, de certa forma (diga-se de passagem, já fui a filme “sugerido” – e a terceiros! – por ele!).

Outro coroa, mais exótico, é o gorducho adepto do cross-dressing, praticamente uma mistura de Divine, a musa (um traveco com mais de 100 quilos) de John Waters, com Philip Seymour Hoffman interpretando Capote. E muitas outras caras anônimas, mas velhas conhecidas minhas e dos bilheteiros, dividem fila e se emocionam comigo durante duas semanas ao ano.

Mas é claro que novos personagens chegam a cada edição da mostra, para movimentar a trama. Neste ano, por exemplo, fui apresentado à bicha do cachecol. Todas as sessões em que eu a via, lá estava ela, altiva, com seu longo cachecol enrolado no pescoço. Frio? Sim, pensei, até porque as temperaturas andavam mesmo baixas. Mas quando, em São Paulo que estamos, os  13° C subitamente cederam lugar aos 30° C, meu colega não se fez de rogado. E lá estava a bicha com seu longo cachecol enrolado no pescoço (afinal, o sol era algo pertencente ao mundo da bilheteria pra fora).

Ainda na categoria figurino, que graça o casal de grisalhos que ia a todas as sessões de paletó. A princípio, atribuí a indumentária a um cineminha pós-trabalho. Mas, assim como no caso da bicha de cachecol em um dia de sol, pude tirar com eles a prova dos nove em um sábado e em um domingo: lá estavam eles, imbatíveis e impecáveis, de paletó. E como eles não tinham cara de quem trabalha como segurança particular ou motorista de madame, interpretei a elegância do vestir como uma atitude respeitosa ao cinema, à moda antiga, da época em que ir ao cinema era um evento e todos se vestiam com seus mais elegantes trajes, e isso muito me sensibilizou.

Outra característica do casal me chamou a atenção. A primeira vez que os vi, eles estavam à minha frente, em uma das salas maiores do Frei Boneca. Eu sento sempre na última fileira, de preferência na mesma cadeira, que tem espaço livre à frente para esticar minhas longas pernas. Exatamente no dia seguinte, mesmo cinema, eu na mesma fileira, mesma cadeira, e lá estavam eles, à minha frente, também em suas mesmas fileira e cadeiras. Achei aquilo muito bonito, e imediatamente pensei que quando tiver meu próprio grisalho, que ele também tenha TOC como eu, e que goste de sentar sempre nos mesmos lugares nos mesmos cinemas (bem, além disso, deverá calhar que gostemos dos mesmos lugares, porque se ele porventura preferir os bancos da frente, teremos aí um grave motivo para discórdia).

E eis que os vejo em novo cenário: Cine Bombril (pra mim o Cine Livraria Cultura será sempre o Cine Bombril, zelo pela tradição cultural). Devidamente vestidos, claro, agora vejamos onde se sentarão. E não é que me surpreendem? Enquanto no Frei Boneca sentam no fundão e na ponta, no Cine Bombril ficaram na terceira fileira, pertinho da tela, e ao centro. Me perguntei se não teriam se enganado, mas lá permaneceram.

Mas eu não tardaria a esclarecer também este possível TOC incoerente. Em uma outra sessão, lá estavam eles novamente (desnecessário mencionar como estavam vestidos), no Cine Bombril. Onde se sentaram? Sim, na terceira fileira, ao centro.

Assim, neste festival, tomei conhecimento não de uma, mas duas pessoas, e casadas entre si, mais esquisitas que eu. E, enquanto as luzes se apagavam, desejei mais uma vez encontrar um parceiro grisalho de cama, mesa, banho e cinema, que goste dos mesmos filmes, salas e cadeiras que eu. Se ele quiser, vou até de blazer com ele ao cinema.

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E terminou. A vantagem disso é ver o que ficou faltando, nos três próximos dias de repescagem.

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Como que um filme tão chato como o russo A valsa das flores pode ter entrado para a repescagem? Se o critério para a seleção é mesmo o voto do público, como então que durante o festival as pessoas votam bem em um filme e na repescagem elas (embora sejam outras) abandonam ele no meio, aos montes? Não poderia ter acontecido o mesmo nas eleições presidenciais?: Dilma é a mais votada no primeiro turno e no segundo seus eleitores a deixam falando sozinha.

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Submarino: e eis que no apagar das luzes a alfândega de Guarulhos faz o enorme favor de liberar o novo filme do dogmático diretor de Festa de família. E Submarino chega a tempo para a repescagem. E é claro que lá fui eu ver, afinal era um dos filmes que mais aguardava neste festival. E se tornou o melhor dele, empatado com Poesia e O mágico. Bem, o que dizer de um filme cuja abertura é das mais impressionantes que eu já vi? (e olha que já vi muita coisa). E cujo final é uma porrada no meio da cara, daquelas de quebrar todos os dentes? Saí do cinema zonzo, perguntando quem anotou a placa e pensando que se equivocaram na hora de batizar o filme: ele deveria se chamar Trator.

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E terminou mesmo. E a grande vantagem disso é voltar a ver trailers antes das sessões de cinema – afinal os trailers são a melhor parte.

Foto: Cartaz da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2010

Curtas sobre longas

26 de setembro de 2010

À procura da felicidade: mais um filme contando uma história real de superação.  O destaque vai para a piada contada pelo filho do protagonista. Um pouco mais que uma piada, eu diria:

“Um homem estava se afogando. Passa um barco e os marinheiros lhe jogam uma boia. ‘Não, obrigado, Deus vai me salvar!’. O barco vai embora. Dali a pouco, surge outro barco, e seus ocupantes tentam novamente ajudá-lo, em vão: ‘Deus vai me salvar!’. E o segundo barco também segue seu rumo. Não muito depois, o homem enfim morre afogado. Chegando no céu, ao encontrar-se com Deus, Lhe pergunta: ‘Deus, por que você não me salvou?’. Ele responde: ‘eu te mandei dois barcos, seu idiota!’”.

Yentl: Barbara Streisand na machista Europa do leste do início do século passado se vestindo de homenzinho pra poder estudar o Talmude. Uma gracinha.

Margot e o casamento: curiosa a ideia que alguns diretores americanos têm do que seja fazer um filme dito alternativo. O deste, por exemplo, acha que é colocar Jack Black (que já é sofrível em seu natural) em um papel sério dizendo nu diante do espelho que seu saco é maior que seu pinto e na cena seguinte Nicole Kidman de bruços na cama tocando uma siririca.

A idade do ouro: um de meus Buñuel favoritos, quase um predecessor de Um dia de fúria. O molequinho filho de seus patrões, os donos da casa de campo, vem tirar uma com a sua cara bem na hora em que você está com a arma na mão? Simples, chumbo nele! A solícita e apaixonada mocinha se distrai enquanto te serve e acaba por derramar a bebida em seu terno? Dá na cara dela. Está superatrasado e o ceguinho ainda chega na sua frente para pegar o táxi? Pé na bunda dele e entra no carro!

Hanami – Cerejeiras em flor: alemão, mas muito sensível. Assim como eu.

Imagem: goooooogle

Contos de Madame Valentim

2 de agosto de 2010

As aventuras de Madame Valentim no tráfico louco

Já contei de minha época da inocência em casa de Madame Valentim, na Baixada Fluminense, onde passava alguns dos juvenis dias de minhas férias. Dias em que eu corria pelas ruas e me sujava inteiro de lama e suor, como em uma propaganda de Omo. Os tempos eram outros, e a vizinhança também: depois disso, Madame Valentim se mudou para um lugar menos bucólico, terra de Zés Pequenos e Manés Galinhas. Isso mesmo, a Cidade de Deus. Mas Madame Valentim, como se sabe, nunca foi de dar mole pra mané. E com seus novos vizinhos não seria diferente…

No geral, Madame Valentim não tinha atritos com eles. Quando ela saía de manhã cedo para trabalhar, o “gerente” de plantão da boca de fumo (e outras coisas mais…) lhe dava sempre bom dia, e por vezes complementava: “vai pra luta, né, tia?”. “É, mas não é a mesma luta que a tua, não”, respondia Madame Valentim, educada, mas muito franca. E assim coexistia com um mundo que andava armado até os dentes, vendia e comprava tóxicos e armas no meio da rua, e tinha suas próprias leis e meios de aplicá-las. Para sobreviver naquele ambiente hostil, onde já vira conhecidos se perderem das mais diversas (inclusive irreversíveis) formas, Madame Valentim não tinha outra solução que não adotar a política da boa vizinhança.

Para ajudar no orçamento, Madame Valentim fazia coxinhas e sacolés, que vendia na região. Sem distinção. “Eram clientes como outro qualquer”, defende-se muito justamente Madame Valentim, que entre a clientela especial tinha um acordo igualmente especial: vendia fiado, pois o pessoal da boca só recebia o dinheiro na sexta-feira à noite. Confiava neles, e o trato dava certo, pois eram pontuais no pagamento. Certa vez, porém, um deles quis dar a volta em Madame Valentim: “não vou pagar”, disse ele quando Madame Valentim foi lhe perguntar sobre o que lhe era devido. “Como não vai pagar?, você está me devendo, é meu trabalho”, tentou o diálogo Madame Valentim. “Não vou pagar, não quero, não vou”, disse o desaforado simplesmente. Pra quê. Madame Valentim foi se queixar diretamente com a chefia. Resultado: no dia seguinte o mané apareceu todo quebrado, da bela e merecida sova que levou. E todo quebrado foi pagar Madame Valentim.

O episódio com o caloteiro não foi o único em que abusaram da cordialidade de Madame Valentim. Certa vez, ela chegou em casa e tinha um traficante deitado em sua cama. “O que você está fazendo na minha cama?!”, perguntou ela entre assustada e indignada. “Pô, foi mal, tia!”, respondeu ele, dizendo que tinha entrado ali pra se esconder dos “vermes” (como eles chamam carinhosamente a polícia) que o perseguiam. “Olha, você não me leva a mal, mas eu não deixo nem meu tio que mora comigo deitar na minha cama”, rebateu Madame Valentim após se refazer do susto. “Sentado pode?”. Madame Valentim pensou. “Pode, mas no sofá”, teve que ceder um tanto, resignada. E o traficante obedeceu, sentado no sofá de Madame Valentim enquanto esperava a poeira da rua baixar.

De outra feita, um dia tocaram a campainha na casa de Madame Valentim dois traficantes que tinham jogado por cima do muro de sua casa trouxinhas de cocaína, em sua fuga dos vermes, pedindo permissão para entrar e recolher a parada. Madame Valentim foi ver e seu quintal realmente estava cheio de papelotes. Passou uma descompostura nos bandidos, que eles não fizessem mais aquilo porque iriam colocá-la em maus lençóis. Eles se desculparam, “mal, tia!”, recolheram os ditos e se foram. E Madame Valentim deu mais uma busca pela área, para ver se não tinha ficado nenhum. E tinha.

Pegou aquele papelote, e ia jogá-lo na privada, quando teve uma ideia melhor. Ela tinha um vizinho tão simpático, que sempre lhe levava bertalha de seu quintal. Tinha vezes que ele aparecia até com uma caixa de empadão congelado da Sadia (e Madame Valentim não questionava sua procedência, “o que os olhos não veem o estômago não sente”). Como ela conhecia certos gostos dele, resolveu retribuir tanta gentileza. Foi até sua casa: “oi tia, a que devo a honra?”, ele a saudou. “Tenho uma coisa aqui pra você, posso entrar?”. Madame Valentim fez então o agrado ao vizinho, que muito lhe agradeceu. Quando Madame Valentim ia saindo, ele lhe chamou, “peraí, tia!”. Ele tinha mais um maço de bertalha para Madame Valentim.

Outro vizinho de Madame Valentim com problemas com o tóxico era conhecido como Grande. Certa vez, Grande pediu dinheiro emprestado a Madame Valentim: “madrinha, você não tem cinquenta centavos pra me emprestar?”, pediu ele, trincando os dentes. “Porra, Grande!”, respondeu simplesmente Madame Valentim, que não nasceu ontem para não saber para que ele queria o dinheiro, não se conformando com a que ponto chegava seu vizinho, pedindo cinquenta centavos para sustentar o vício.

Grande se surpreendeu com o palavreado: “madriiiiinha, você é uma dama, não fala iiiisso!…”. “Onde você está vendo dama aqui? Só se for da zona”, rebateu a fofa da Madame Valentim. E não emprestou a Grande os cinquenta centavos. E hoje ele não precisa mais. Um dia estava Madame Valentim chegando em casa quando ouve alguém lhe chamar: “madrinha!”. Reconheceu a voz de Grande. Ela se virou, mas achou que tinha se enganado. Grande estava todo alinhado, banho tomado, cabelo penteado com gel, usando até terno. Grande tinha largado as drogas. Grande tinha descoberto Jesus.

A história de Grande, porém, foi uma exceção entre as muitas outras que Madame Valentim estava acostumada a escutar, tão próximas a ela, durante os mais de dez anos em que viveu ali. Porque, realmente, na Cidade de Deus era mais comum terminar vendo Deus do que encontrar Jesus, o que, na prática, faz uma grande diferença na vida de uma pessoa… E Madame Valentim se cansou disso tudo e foi embora dali, voltou para a Baixada. Poderia ter se corrompido como muitos que conheceu, mas não perdeu a compostura jamais (esqueçamos o episódio da troca do papelote pela bertalha…).

A despeito da proximidade diária, Madame Valentim sempre esteve longe das drogas. O mais próximo que delas chegou foi na verdade anos antes de ir morar em God City. Ela estava ajudando sua irmã, na casa em que esta trabalhava em Niterói, a arrumar o estrago deixado pela festa de arromba dada na véspera por seus patrões, um casal gay (festa esta onde a criadagem, a irmã de Madame Valentim inclusa, tinha que usar turbantes! – como diz meu amigo Marcos Farto, viado não é coisa de Deus…). As “provas do crime” estavam todas lá: havia baganas, ou seja, guimbas de maconha, por toda a casa. Quando as duas faxinavam o lugar, a irmã de Madame Valentim lhe mostra: “Madame Valentim, sabe o que é isso? Maconha!”, contava ela, exagerando uma reação de surpresa.

“Ih, Crespina, será que isso dá barato mesmo?”, perguntou Madame Valentim, já pegando a bagana da mão de sua irmã, e olhando à sua volta. “Madame Valentim, o que você vai fazer?!”, admirava-se sua irmã. Madame Valentim ligou a boca do fogão, acendeu a bagana e experimentou. Segundo ela, não lhe deu barato algum, apenas um baita enjoo. E Madame Valentim viu que realmente aquela não era a sua.

Hoje, em sua nova casa na Baixada Fluminense, Madame Valentim vive uma vida tranquila, longe dos costumeiros sobressaltos que vivia na Cidade de Deus. Perto de sua vizinhança anterior, seus novos vizinhos são ladrões de goiaba. Literalmente. “Já pensei até em cercar o quintal com arame farpado”, conta ela, referindo-se aos constantes assaltos a que é submetida a goiabeira do pequeno pomar de sua casa por alguns moleques das redondezas.

Quando ela percebe que eles estão pulando o muro, sai correndo atrás, armada. De vassoura. “Ah, seus viados filhos da p…!”, sai ela gritando atrás dos pequenos ladrões, dando-lhes vassouradas no traseiro. E por que ela ainda não cercou o quintal com arame farpado, conforme disse? “Quando pego os moleques no flagra lembro que eu fazia a mesma coisa na idade deles, e prefiro deixar pra sair correndo atrás com a vassoura quando aparecem. Assim eu também me divirto”.

Foto: goooooogle

Injeção no olho dos outros é refresco!, ou De como manter a saúde em dia

1 de agosto de 2010

“Para morrer, basta estar vivo”, já diz o sábio ditado popular. E dá um trabalho manter-se vivo…

Eu, por exemplo, por histórico familiar, tenho que literalmente correr (ou pedalar) da Tia Betsy, digo, diabetes, todos os dias. A cada aventura de minha promíscua, digo, rotativa vida sexual, devo me cuidar se não quiser pegar uma DST. E de nada adiantou minha última investida contra a gastrite – um mês de Omeprazol -, ela anda mais persistente que minha caspa.

Faz alguns meses, comecei a sentir um incômodo na vista. Fui ao médico, e eis que foi descoberta uma cicatriz em minha retina. No ínterim entre novos exames – que detectaram que eu tinha algumas hemorragias por ali -, consultas e debates entre os médicos acerca de meu diagnóstico (virei até estudo de caso da Escola Paulista de Medicina da Unifesp!), minha vista direita (que estava mais afetada) piorou. Descobri enquanto fazia a barba: ao olhar para o lado direito, não vi nada direito, estava tudo embaçado. E tome novos exames, que detectaram que as tais hemorragias haviam atingido a mácula, por isso aquele olho estava praticamente o Mr. Magoo.

Enquanto não se chegava a um consenso quanto ao que eu tinha, eu que vivo sempre no mundo da lua comecei a tecer minhas próprias hipóteses sobre meu mal.

Quem sabe eu seria o primeiro portador de uma doença contagiosa que transformaria toda a humanidade em zumbis (que poderiam ser vesgos!) comedores de cérebros! Ou talvez meu vírus desencadeador de um apocalipse fosse o da cegueira rosa, e em breve todo o Brasil, a exemplo do que se passou em seu país colonizador com a cegueira branca de Saramago, logo teria toda sua população se batendo pelos cantos e voltando às mais bárbaras formas de primitivismo humano, ainda que vendo tudo cor-de-rosa?

Sentia eu também uma, ainda que de leve, dor de cabeça incessante, o que seria ela? Viria então o problema da vista do fato de meu crânio estar sendo comprimido? Assim, dali a não muito tempo eu sairia mordendo todo mundo à minha volta, como um doberman.

Destas, a que mais me preocupava era a possibilidade da cegueira rosa, ou qualquer outra cor que fosse (mesmo que de todas as do arco-íris). Pensava: se fosse realmente necessária a privação de um de meus sentidos, eu não poderia escolher qual deles? Por exemplo, se em vez de problemas na retina, eu os tivesse nas cordas vocais. Não faria muita diferença na minha vida. Ao contrário, eu poderia livremente dar vazão a todo o meu autismo.

Nunca mais viriam me perguntar por que estou tão quieto. Acontecendo isso, eu simplesmente levantaria uma plaquinha, com a qual andaria sempre a tiracolo, contendo a seguinte inscrição, em letras garrafais: SOU MUDO (e, logo abaixo, MUTE). Ou simplesmente andaria com ela pendurada no pescoço, o que pouparia às pessoas o trabalho de me darem bom dia.

Em meio a tais divagações, chegou enfim o diagnóstico: o que me acomete é coroidite serpiginosa macular. Um nome pomposo para identificar uma doença congênita que causa inflamação na retina, que no meu caso acabou por atingir a mácula. E, se não tratada, pode levar à cegueira.

E qual um dos tratamentos? Sim, conforme já adiantou (e estragou a surpresa) o título desta crônica: uma injeção. E sim, uma injeção no olho. Daqui por diante, além de não parar de suar a camisa nas esteiras, bicicletas, orlas, parques e afins, não me descuidar na hora de suar de outra forma (e não mais a camisa) e evitar alimentos ácidos, tenho que ir ao oftalmologista duas vezes ao ano para monitorar meus lindos olhos (e se necessário tomar mais uma picadinha de corticóides…).

Felizmente minha doença de Gilbert, outra congênita que tenho, não requer qualquer tratamento ou controle, é apenas uma elevação de meu nível de bilirrubina que não me afeta em nada – o máximo que faz é me deixar ligeiramente amarelado de quando em vez (não tanto quanto um Bart Simpson, pelo menos). Já meu prolapso da válvula mitral é perfeitamente controlado com meu super comprimido diário de cloridrato de propranolol!

Complicada, a vida. Para adoecer, basta estar saudável.

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Hoje quase saio da clínica de oftalmologia com torcicolo. Motivo: passar o tempo todo na sala de espera com o pescoço virado, olhando pela janela o vizinho faxinar a casa de cueca. Sim, porque posso estar com o olho ruim, mas não estou cego. Muito menos morto.

Foto: gooooogle

Arquivo: março 2010

Meu nome não é Gal. E nem Gil

25 de julho de 2010

Por que é que sempre que estou esperando um telefonema, não um telefonema qualquer, mas aquele telefonema, que não sei se virá, o telefone sempre acaba tocando? Mas não, não me refiro à ligação que traz na tela do celular enfim o nome tão esperado (que não, não direi que é o da bola da vez), mas sim um número mesmo, e dos que nunca vi. Ao sentimento misto de animação, conquista e alívio, se junta também a surpresa, “ele está ligando de outro número”. Tolinho (eu, e não o esperado interlocutor).

– Alô?…, atendo, a despeito dos eufóricos sentimentos citados acima, com desconfiada e prudente reticência na voz (ainda que com um sorrizinho ingênuo e esperançoso no olhar).

– Alô, Gil?

(O nome não importa, calhou de ser Gil da última vez, mas já me perguntaram por Luis, João, Beto…)

Silêncio.

– Vai…procurar…o Gil….no centro…do olho….do….SEU _ _  !

Não, não respondi isso. Na verdade, eu disse simplesmente:

– VOCÊ LIGOU PARA A PESSOA ERRADA!

(Às vezes eu sou um fofo)

– Desc…, ia dizendo a pessoa do outro lado, em tom falsamente humilde para quem está ligando diretamente do quinto dos infernos. Mas eu não precisava terminar de ouvi-la, como sempre nessas infelizes ocasiões, já que a tecnologia ainda não chegou a um ponto que me possibilite morder a outra pessoa através do telefone, nem ao menos fulminá-la com o olhar até vê-la estrebuchando seca no chão, e eu não posso fazer nada mesmo.

Outro mistério telefônico: por que sempre que preciso encontrar meus amigos eles nunca atendem o telefone? (tipo all by myself, “…I think of all the friends I’ve known, but when I dial the telephone, nobody’s home…”, mas, ora pipocas, na época em que essa música foi composta a única forma de se encontrar as pessoas era em casa, ainda não havia o celular!)

Fui comer, então. Super padaria e mina de ouro 24 horas Bella Biba, e no balcão, por duas razões: não pego fila e ainda escuto melhor a conversa dos outros.

“Aqui, meu querido!”, diz o atendente entregando o pedaço de pizza a meu vizinho direito de balcão.

(“Meu querido”?, pensei. Você conhece ele? Nem conhece e já vai chamando de querido. Como as pessoas são levianas. Acham que as palavras saem impunes da boca. Semana passada me chamaram de “amor da minha vida”, e hoje eu não escuto nem um alô)

Em seguida, outro vizinho, o da esquerda, aponta para o atendente sua garrafa de vinho e diz: “amigo (as pessoas são tão íntimas, aqui!), garrafa vazia é triste, né?”.

(E o que você espera que ele diga? Que lhe dê as condolências?, pensei, enquanto tomava um gole do meu chá gelado da casa)

Dali a pouco, este mesmo vizinho olha ao redor, e exclama: “essa padaria é o maior barato!”. Por que terei eu tido a vaga impressão de ele ter dito isso após sua mirada 180º ter terminado sua trajetória em mim? Eu sou engraçado? “O maior barato”? Estou te divertindo? Garrafa vazia é triste.

Peço mais um pedaço de pizza. O atendente me entrega: “aqui, meu querido!”. Silêncio. “Moço, se eu fosse você não repetia isso, que eu posso me apaixonar e você vai ter que me fazer muito feliz em meio a muitos pedaços de pizza quatro queijos e chá gelado da casa diariamente”.

Não, é claro que não disse isso. Mas pensar nisso me fez sorrir, o que foi bom pra mim, especialmente na situação aflitiva em que me encontrava. É bom rir de mim mesmo. Ameniza. Às vezes eu sou o maior barato.

“Você viu Medos privados em lugares públicos?”, perguntou o amigo do vizinho da esquerda para ele, agora ambos com a garrafa já cheia.

(Eu vi, respondi eu para mim mesmo, muito bom, Alain Resnais, divaguei, lembrando do filme, e também, com uma estranha espécie de constrangimento, de que seu título vinha perfeitamente a calhar)

“É maravilhoso, vi quatro vezes”, contou ele. Peraí, o filme é realmente excelente, mas não sei se o veria quatro vezes. O último filme que vi quatro vezes acho que foi O massacre da serra elétrica II. Olhei para o amigo de meu vizinho esquerdo. É, ele tinha cara mesmo de quem vê filmes franceses quatro vezes.

“O lance do filme é que todos os personagens tinham a resposta pra vida deles diante do nariz, mas não enxergavam”. Silêncio. Em câmera lenta, pousei o talher no prato e, ainda mastigando, me virei novamente para ele, olhando-o desta vez com outros olhos. Quanta sensibilidade! Quase me enturmei com a dupla, “garrafa esvaziando é triste, né, gente?”, e já pedindo outra pro querido atendente, para tomarmos todos juntos e discutirmos as tais respostas.

Em vez disso, me levantei e saí da padaria. Rumo à locadora: “preciso rever este filme. Hoje. Quatro vezes se for preciso”.

Mas não cheguei a meu destino. No meio do caminho, o telefone tocou. E dessa vez não era pro Gil.

Foto: gooooooogle

Arquivo: julho 2009