Injeção no olho dos outros é refresco!, ou De como manter a saúde em dia

“Para morrer, basta estar vivo”, já diz o sábio ditado popular. E dá um trabalho manter-se vivo…

Eu, por exemplo, por histórico familiar, tenho que literalmente correr (ou pedalar) da Tia Betsy, digo, diabetes, todos os dias. A cada aventura de minha promíscua, digo, rotativa vida sexual, devo me cuidar se não quiser pegar uma DST. E de nada adiantou minha última investida contra a gastrite – um mês de Omeprazol -, ela anda mais persistente que minha caspa.

Faz alguns meses, comecei a sentir um incômodo na vista. Fui ao médico, e eis que foi descoberta uma cicatriz em minha retina. No ínterim entre novos exames – que detectaram que eu tinha algumas hemorragias por ali -, consultas e debates entre os médicos acerca de meu diagnóstico (virei até estudo de caso da Escola Paulista de Medicina da Unifesp!), minha vista direita (que estava mais afetada) piorou. Descobri enquanto fazia a barba: ao olhar para o lado direito, não vi nada direito, estava tudo embaçado. E tome novos exames, que detectaram que as tais hemorragias haviam atingido a mácula, por isso aquele olho estava praticamente o Mr. Magoo.

Enquanto não se chegava a um consenso quanto ao que eu tinha, eu que vivo sempre no mundo da lua comecei a tecer minhas próprias hipóteses sobre meu mal.

Quem sabe eu seria o primeiro portador de uma doença contagiosa que transformaria toda a humanidade em zumbis (que poderiam ser vesgos!) comedores de cérebros! Ou talvez meu vírus desencadeador de um apocalipse fosse o da cegueira rosa, e em breve todo o Brasil, a exemplo do que se passou em seu país colonizador com a cegueira branca de Saramago, logo teria toda sua população se batendo pelos cantos e voltando às mais bárbaras formas de primitivismo humano, ainda que vendo tudo cor-de-rosa?

Sentia eu também uma, ainda que de leve, dor de cabeça incessante, o que seria ela? Viria então o problema da vista do fato de meu crânio estar sendo comprimido? Assim, dali a não muito tempo eu sairia mordendo todo mundo à minha volta, como um doberman.

Destas, a que mais me preocupava era a possibilidade da cegueira rosa, ou qualquer outra cor que fosse (mesmo que de todas as do arco-íris). Pensava: se fosse realmente necessária a privação de um de meus sentidos, eu não poderia escolher qual deles? Por exemplo, se em vez de problemas na retina, eu os tivesse nas cordas vocais. Não faria muita diferença na minha vida. Ao contrário, eu poderia livremente dar vazão a todo o meu autismo.

Nunca mais viriam me perguntar por que estou tão quieto. Acontecendo isso, eu simplesmente levantaria uma plaquinha, com a qual andaria sempre a tiracolo, contendo a seguinte inscrição, em letras garrafais: SOU MUDO (e, logo abaixo, MUTE). Ou simplesmente andaria com ela pendurada no pescoço, o que pouparia às pessoas o trabalho de me darem bom dia.

Em meio a tais divagações, chegou enfim o diagnóstico: o que me acomete é coroidite serpiginosa macular. Um nome pomposo para identificar uma doença congênita que causa inflamação na retina, que no meu caso acabou por atingir a mácula. E, se não tratada, pode levar à cegueira.

E qual um dos tratamentos? Sim, conforme já adiantou (e estragou a surpresa) o título desta crônica: uma injeção. E sim, uma injeção no olho. Daqui por diante, além de não parar de suar a camisa nas esteiras, bicicletas, orlas, parques e afins, não me descuidar na hora de suar de outra forma (e não mais a camisa) e evitar alimentos ácidos, tenho que ir ao oftalmologista duas vezes ao ano para monitorar meus lindos olhos (e se necessário tomar mais uma picadinha de corticóides…).

Felizmente minha doença de Gilbert, outra congênita que tenho, não requer qualquer tratamento ou controle, é apenas uma elevação de meu nível de bilirrubina que não me afeta em nada – o máximo que faz é me deixar ligeiramente amarelado de quando em vez (não tanto quanto um Bart Simpson, pelo menos). Já meu prolapso da válvula mitral é perfeitamente controlado com meu super comprimido diário de cloridrato de propranolol!

Complicada, a vida. Para adoecer, basta estar saudável.

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Hoje quase saio da clínica de oftalmologia com torcicolo. Motivo: passar o tempo todo na sala de espera com o pescoço virado, olhando pela janela o vizinho faxinar a casa de cueca. Sim, porque posso estar com o olho ruim, mas não estou cego. Muito menos morto.

Foto: gooooogle

Arquivo: março 2010

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